Situado na zona sudoeste de Goiânia, depois dos limites da BR-153 (que liga a cidade ao Sul do país), o Centro Cultural Oscar Niemeyer é um amplo conjunto voltado à arte, com 17 mil metros quadrados de área construída. O espaço leva o nome do arquiteto, que nunca havia projetado uma obra na cidade. O desenho é simples: quatro volumes com formas e usos distintos, sobre uma esplanada retangular.
Em 1999, Niemeyer foi convidado pelo então governador (e atual senador tucano) Marconi Perillo a criar o Monumento aos Direitos Humanos. Reza a lenda, alimentada pelo próprio ex-governador, que ele foi ao escritório carioca de Niemeyer, que não o conhecia, e disse de forma enfática: “Vim cobrar o aluguel das terras em que o senhor construiu Brasília!”. O arquiteto logo percebeu que se tratava de uma brincadeira e passou a ouvir a encomenda - que, pouco antes da viagem ao Rio de Janeiro, já se ampliara para um centro cultural. “Eu e Edson José Ferrari, que era secretário de Perillo, tivemos essa idéia”, relata Marcílio Lemos Carvalho, então arquiteto da Agência Goiânia de Cultura e que acompanhou a execução da obra.
Niemeyer empolgou-se e ficou sensibilizado com a idéia de batizar o espaço com seu nome. Mas o local de implantação ainda era incerto. A primeira proposta, em Lagoa das Rosas (onde fica o zoológico), foi abandonada por questões ambientais. Cogitou-se também a área da rodoviária, projetada por Paulo Mendes da Rocha (com Luiz Fernando Teixeira e Moacyr Cordeiro), que é subutilizada e depois foi transformada parcialmente em centro de compras, desfigurando o desenho original. Entrou em pauta então o terreno atual. De propriedade de um empresário, havia uma pendência jurídica sobre a gleba, que na década de 1980 fora doada para a construção de um centro de convenções, não levada a cabo. Com isso, uma ação contra o Estado pedia a área de volta. Negociações levaram a um acordo: os novos prédios de Niemeyer ocupariam 60% do lote e os outros 40% seriam devolvidos ao antigo dono. O arquiteto visitou o local e readequou o projeto a essa condição. Por motivos políticos, a obra foi executada às pressas: um ano depois da definição do terreno, o centro estava inaugurado.
A implantação de um projeto desse porte certamente consolidará o eixo da expansão endinheirada da cidade, no sentido sudoeste. As margens da BR-352 (ligando Goiânia a Belo Horizonte), ainda com ocupação rural, rapidamente se transformarão. Um indício é o condomínio fechado de alto padrão, alguns metros depois do centro cultural.
Na trajetória do arquiteto, é comum a criação de conjuntos em que cada prédio, ocupado por um item do programa, adota uma forma diferente, com uma composição espacial entre si. O Centro Cultural Oscar Niemeyer não foge à regra: são quatro edifícios diversos no formato - uma cambota, um triângulo, um cilindro suspenso e um pavilhão - e na ocupação (respectivamente, teatro, memorial, museu e biblioteca). “É uma composição de volumes puros: um triângulo, um círculo e um retângulo”, concluiu Paulo Mendes da Rocha, quando relatei minha visita ao lugar.
E para a composição ficar mais clara - tal como numa natureza-morta de Morandi - os quatro volumes estão implantados em uma grande esplanada retangular, de 26 mil metros quadrados. É ela que suporta e delimita a relação entre os volumes. Na frente estão o teatro (à esquerda) e o memorial (à direita). À primeira vista, o teatro, com 4,7 mil metros quadrados, lembra a Oca (sem escotilhas) e o Senado, conhecidos trabalhos do autor. No entanto, a entrada principal encontra-se no fundo, o que dá pureza à forma na porção frontal, que é parcialmente circundada por espelho d’água. A pressa na inauguração deixou seqüelas: o olho mais apurado percebe a imperfeição da curvatura. O espaço tem capacidade para 3,7 mil espectadores; 200 lugares, no balcão, têm acesso em nível pela esplanada.
O Monumento aos Direitos Humanos é um prédio curioso: único elemento vermelho da composição (os outros são pintados de branco), trata-se de uma pirâmide de concreto com 75 metros de altura, oca por dentro. O memorial em si, um pequeno espaço com auditório de 170 lugares, está abaixo da esplanada e possui 655 metros quadrados. O volume rubro é a entrada, ao mesmo tempo que cobre o foyer.
Atrás do monumento, está o Museu de Arte Contemporânea, um volume circular suspenso de 2,8 mil metros quadrados, apoiado em pilar central. O acesso é feito por uma rampa, que esconde parcialmente o grande esforço estrutural do edifício. No primeiro piso, fica o espaço de exposição permanente, e o mezanino é dedicado a mostras temporárias. Parte do programa está sob a esplanada, onde ficam a administração, a reserva técnica e uma pequena galeria.
Fazendo as vezes de pano de fundo da composição (idéia reforçada pelo vidro preto), a biblioteca, com 1,2 mil metros quadrados, é um pavilhão em pilotis, com três pisos e cobertura destinada a um restaurante panorâmico com terraço. É aqui que se percebe mais claramente a falta de domínio no detalhamento - para ser mais exato, na relação entre os caixilhos do pilotis e a estrutura.
O acesso principal do conjunto, pela BR-352, é feito através de uma escadaria larga. No dia-a-dia, os visitantes chegam pelos fundos, onde fica o estacionamento de 530 vagas. Observada dali, a plataforma da esplanada transforma-se em laje, e percebe-se que parte dela é ocupada: são dois cinemas (com 280 lugares cada), cinco lojas e um bar, além de áreas técnicas. Tal como na Brasília dos primeiros anos, a composição funciona à vista do visitante: a planície verde junto ao horizonte dá ênfase aos volumes puros e força a sua composição geométrica.
A tarde da inauguração, no final de março do ano passado, foi indescritível. Sem perceber a mágica do momento, os políticos e seus assessores corriam, inaugurando um prédio atrás do outro, enquanto o Sol poente manchava o céu com uma paleta invejável de cores. De repente, uma tempestade se anunciou no horizonte, misturando mais ainda os tons. A chuva não veio, mas um arco-íris cruzou o céu, com o mesmo raio do teatro e exatamente sobre ele. Talvez uma homenagem do cerrado ao arquiteto que o colocou no mapa. Possivelmente cenas como essa, engrandecidas pela natureza, logo não serão mais possíveis, num entorno ocupado pelo voraz mercado imobiliário. E, ironicamente, isso terá ocorrido, em parte, por culpa do próprio centro cultural.
viernes, 8 de febrero de 2008
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